... dos que ficam


Acabei de me aperceber de que quase todos os meus colegas co-autores vão de Erasmus no próximo ano. Não estou enganada, ou estou? Tal facto deixou-me bastante animada, não só porque estou farta de os aturar (apesar de serem bons rapazes), mais aos trabalhos de grupo todos que nos impingiram este ano, como também, sendo eles pessoas tão diligentes, pode ser que finalmente voltem a sobrar assuntos para eu comentar neste blog. Com a vantagem acrescida de dar um toque multicultural ao Amigos do Aristo - tive uma visão na qual todos faziam posts sobre a sua experiência lá nos poleiros da Europa, tão distantes que só é possível alcançá-los por voo low-cost.

Mas do que eu queria realmente falar era das pessoas que não vão de Erasmus. Há muitas pessoas assim. Não vão porque estão mais confortáveis cá, ou acham que não vale a pena e que não lhes vai trazer vantagens futuras, ou não querem deixar a família e/ou o(a) namorado(a), ou porque dependem de vários factores económicos, ou porque, com a média que têm, se calhar até nem conseguem grande lugar portanto mais vale estarem quietos. E destas pessoas, algumas até gostavam de ir. Outras nem por isso.

Por alguma razão, somos tratados por muitos como "pobrezinhos". Não é agradável. É, de facto, verdadeiramente irritante. A sério, já tive vontade de bater em algumas pessoas.

Começa sempre pelo "Não vais?!" ou "Não te candidataste?!", com os olhos muito abertos e o tom de voz ligeiramente histérico. Não, não vou. Perdoem-me se estou a cometer um crime. Devo ir entregar-me na esquadra mais próxima?

O "Não vais?!" é geralmente repetido, acrescentando, entre o "Não vais" e a pontuação, uma vírgula, seguida de "a sério".

Esta é a parte em que o pobrezinho começa verdadeiramente a responder "não, não vou", mas é imediatamente interrompido por frases tais como: "Oh, devias ter-te candidatado!", ou "Na tua idade, se eu pudesse, tinha ido", "É uma oportunidade única" ou, falhando tudo o resto, por nova repetição do "não vais" seguido de "devias ir". Se o pobrezinho tiver sorte, não ouve um "louco" ou "burro" à mistura. Como eu disse, é deveras irritante.

Pensemos aqui no que significa realmente ir de Erasmus. Ir de Erasmus é conhecer outras culturas, outro sistema de ensino, outra forma de fazer as coisas, novas pessoas, e talvez estabelecer contactos (se formos bons na arte ou no palavreado) que nos arranjem um emprego no estrangeiro ou cá dentro. Também significa metermo-nos na embrulhada burocrática e telenovelas de choros, dramas e backstabs que já todos conhecem e que se vai desenrolando neste momento na FAUP. E implica ainda dominar minimamente outra língua, mais ou menos difícil, desenrascarmo-nos sozinhos durante um ano (pensem, um ano é muito tempo), pagar um custo de vida que é geralmente mais elevado e arranjar alojamento algures. Bem sei que este último ponto é irrisório para quem já o faz desde o primeiro ano, mas caramba, há algumas diferenças entre continuar dentro de Portugal ou não, zona Euro e livre circulação entre fronteiras à parte. (Oops, esqueci-me dos que vão para a Suíça.)

Ora existem muitas pessoas que vêem aqui mais prós do que contras, algo que eu acho fantástico. Mas há outras pessoas que vêem muitos contras. Demasiados. Ora passemos a um caso concreto.
Imaginem este aluno que deu tudo por tudo para entrar na FAUP, mas depois de entrar a única ambição dele é aproveitar decentemente a sua juventude. As suas notas são medianas, e muito mais baixas do que deveriam a Projecto em particular, porque ele simplesmente não tem paciência para aquelas aulas. Também não tem paciência para as outras, sobretudo as teóricas, pois com a voz arrastada dos profs e o negrume da visualização de slides é garantido que adormece.
Durante os primeiros anos de faculdade, anda confuso. Começa a faltar a muitas aulas, mas lá se vai desenrascando em algumas ao aparecer dez minutos antes do fim para assinar, ou apanhando a folha de presenças no intervalo quando o prof não está a olhar. Vai viajando muito nas férias, com a família. Passa a todas as cadeiras. Desenvolve a arte de fazer trabalhos muito decentes à última da hora. Arranja uma namorada. Deixa de se sentir culpado por faltar a certas aulas, porque sabe que na verdade não vai lá fazer nada e é simplesmente impossível (talvez não impossível, mas... haja paciência!) lidar com alguns professores. Começa a sair mais com os amigos de fora da faculdade e a desenquadrar-se da caixinha de pensamento na qual os primeiros anos de curso o enfiaram. Passa a ler a bibliografia das cadeiras em casa, e a descobrir algumas cadeiras de que até gosta. Continua a falhar miseravelmente a Projecto. Sente-se confiante relativamente ao futuro. Sabe o que vai fazer nos próximos cinco anos, e sabe que a maior parte desses planos estão assegurados. Não inclui Erasmus na lista de possibilidades, pois precisa do dinheiro para realizar alguns dos planos e gosta bastante da sua vidinha cá, de qualquer das formas. Não acha que as portas que Erasmus possa abrir sejam muito relevantes no seu caso, e sobretudo não acha que valha a pena o esforço. Já visitou muitos dos sítios para onde o pessoal vai. Não lamenta não ir.

E depois ouve "Não vais?!"

Arre, chiça. Não vamos. Há quem queira ficar cá. Há quem não concorde que só Erasmus permite a experiência total da escola de arquitectura. Há quem não se rale uma ****** com a escola de arquitectura. Há quem esteja farto de anos e anos de ensino (tenciono, problemas com dissertações ou não, acabar para o ano dê por onde der), quem queira ir para o mundo trabalhar, fazer qualquer coisa, ser útil à sociedade; e talvez fosse mais útil se levasse os seus estudos mais a sério, mas há quem simplesmente não tenha paciência. Ou dinheiro para continuar. Ou disponibilidade mental para aturar certos assuntos. Mas certamente todos, todos os que ficam se questionaram sobre a sua escolha, e não a fizeram de ânimo leve.

Destas pessoas, algumas até gostavam de ir. Outras nem por isso. E nenhuma será certamente pior estudante, pior profissional ou pior pessoa por causa disto.

Aplaudo os que partem, saudarei para o ano os que ficam.

7 comentários:

Pedro Varela disse...

Oh... a sério, não vais?

Só discordo da parte do esforço, ou das burocracias. A isso chama-se preguiça. Não conheco ninguém que ao lembrar-se do "seu" Erasmus pense mais nas coisas negativas que nas positivas.
Se os argumentos são grandes para ficar: bom.
Se se acha que os argumentos são grandes para não partir: mau.
O que me interessa é que se pesem os argumentos positivos d eum lado e do outro, e se perceba o rumo que queremos dar à nossa vida, pelo menos num futuro próximo.

Mas a sério... não vais? ;)

Anónimo disse...

NAO, NAO VOU.

Anónimo disse...

falando como uma pessoa que neste momento ta a fazer o seu Erasmus...digo-te que me parece exagerado dizer que pensamos nos que ficam como coitadinhos! conheço mt boa gente que não quis ir de Erasmus pk não!! eu próprio ponderei muito quando xegou a altura de escolher se partia ou se ficava. mas tb tenho a dizer que apesar de não ser o objectivo de muitos mudar a sua vida, axo que o facto de nao ir de erasmus apenas se justifica quando encaramos algum problema, quer seja de ordem financeira,quer seja de ordem afectiva, etc, daí o facto de vos verem como coitadinhos... pensa assim, podes viajar muito, mas nunca mais vais ter a oportunidade de no epicentro da tua juventude, poder viver noutro pais, sem ser a trabalhar...podes viver uma outra cultura ao máximo,no seu auge de diversão. é claro que se diversão não for um objectivo na tua vida aí torna-se compreensivel...

Bruna disse...

Assino por baixo. Completamente. Fazer Erasmus tambem nao esta nos meus planos.
Discordo que seja a ultima oportunidade de ir para fora sem ser para trabalhar. Nao é a ultima oportunidade, descansem.:) Existem as pos-graduações, estagios, etc, coisas em que podemos pensar quando virmos a FAUP para tras, quando sairmos daquele buraco de forças centripetas:) quando pudermos ir e, se quisermos, ficar, porque o nosso trabalho cá, ja esta feito:)

Força! estou contigo!!

mariana disse...

as pessoas têm o direito de decidir a sua própria vida. como aquelas que escolhem fazer alguma coisa dela e outras que preferem um certo 'comidismo'. situação económica?uma pessoa está é demasiado habituada que os papás paguem tudo.situação afectiva?aos 22 anos...?é foda passar um ano fora?é.porque te obriga (e principalmente se pelo que percebi nunca sais-te de casa dos teus pais) a lidares tu pessoalmente com alguma questões materiais e psicológicas que terás de mais cedo ou mais tarde lidar. se não te apetece lidar com isso agora?estás no teu direito.mas algum dia terás de entregar a tua própria declaração de IRS.
se não achas vantagem no erasmus ( e não, não é só pela diversão...estou no brasil - e por opção não porque não tivesse média pra ir pra outro lado qq na europa até porque e europa por muito que mudemos as coordenadas não sai muito do eixo- estou pela primeira vez a estagiar e olha!faço trabalho criativo-coisa que em portugal duvido que tenha oportunidade no primeiro estágio)
fala com a maioria do pessoal que ficou este ano e pergunta-lhes se acham vantagens em ter ficado.
não se trata de te chamar coitadinha, mas de perceber como é que uma pessoa abdica de uma momento de contrução pessoal tão importante como é o erasmus/intercâmbio.qualquer que seja a razão (e temo que as razões que deste para te justificar ainda acentuem mais essa coisa do comodismo) e penso que a justificação mais foleira seja a de que : ah e tal vai haver mais oportunidades - a isso chama-se preguiça.
se nós, os que viajamos seremos melhores ou piores isso vai depender de como cada um aproveitou o seu momento.
mas como dizia o outro.cada um sabe de si.

mariana disse...

pa é 'comodismo' mas comidismo tb soa.

Inoi Truão disse...

Para se esclarecer certos mal-entendidos...
A ideia principal deste post é a de que acho muito bem que cada um faça as suas escolhas e respeito-as; só desejo é que respeitem as minhas em troca, e a das pessoas na mesma situação que eu. Em lado nenhum afirmo que me estou a referir à posição de todos os alunos que não vão de Erasmus, nem à opinião de todos os alunos que foram ou vão de intercâmbio. É pena que haja pessoas que, ao verem certo assunto discutido, ignorem o ponto que se está a tentar explicar e partam para o discurso que provavelmente já têm treinado - o género de pessoas que, na verdade, me fizeram escrever este post.

Entrando agora amigavelmente no debate, diria que o Pedro Varela resumiu o assunto da melhor maneira no seu penúltimo parágrafo (e ao último respondo "Não!" =3 ). Na minha opinião, é legítimo tentar convencer alguém do nosso ponto de vista; tratando-se de alguém indeciso, certamente agradecerá ter a possibilidade de obter informação que lhe permita consolidar a sua própria opinião. O que não deveria acontecer é alguém assumir a sua posição como verdade universal, e tentar enfiá-la à viva força (nalguns casos de forma bastante rude, até) nos outros.

A razão original para a criação deste blog foi a apresentação de um ponto de vista algo humorístico do que ia acontecendo na nossa vida de estudantes. Com o tempo, e a angariação de mais autores, começámos a tomar uma postura um pouco mais interventiva - a de afirmar, reafirmar e confirmar que as pessoas são diferentes e pensam de maneira diferente. Há algumas situações em que é evidente uma certa formatação na forma de pensar do pessoal da FAUP (o que também acontecerá noutros cursos, decerto), saudável excepto quando conduz a extremos. Achei que o caso de Erasmus era um desses extremos. Quase ninguém duvida (há sempre uns cépticos, já tive oportunidade de falar com dois ou três) que Erasmus é uma oportunidade excelente, e eu própria a defendo. Contudo, se alguém, por alguma razão, acha que esse género de oportunidade não lhe é adequado, para um grande número de pessoas não interessam os argumentos que possa ter. Simplesmente atacam, ponto final. E a essas pessoas eu digo: que diversão existiria neste mundo se pensássemos todos da mesma maneira?

Tomo dois exemplos:

1."podes viver uma outra cultura ao máximo,no seu auge de diversão" - mas para mim a maior diversão que existe é ouvir boa música, ler um livro, dar uma volta junto ao Douro com o pessoal de quem gosto e deitar-me a dormir às onze da noite (coisa que raramente acontece hoje em dia >.< ). Não acham muito melhor? Provavelmente não, mas respeito a vossa opinião.

2."situação afectiva?aos 22 anos...?" - a nossa situação afectiva é importante desde que nascemos, independentemente da idade. Se há quem não namore, ou pelo menos não o faça muito a sério, também há quem saiba que vai casar no final do curso. Aliás, nunca conheceram ninguém que casou ainda antes de acabar o curso? Eu já. Era uma pessoa muito feliz. E se há gente aqui que quer ter uma grande carreira e só depois pensará em assentar, também há pessoas que vêem o curso como, primariamente, um meio para arranjar um lar e sustentar uma família. Ambas as opções são válidas, desde que a pessoa que tomou essa opção fique satisfeita.

P.S.: perdoem-me os que leram isto até ao fim, eu sei que escrevo muito; é outra das coisas que mais me diverte.