Concreta 2007: primeiro dia

Termina portanto o primeiro dia de conferências da Concreta 2007. Para todos os que falharam a oportunidade pela simples razão de que o nome 'Baeza' não estava no cartaz, perdoem-me a expressão mas lixaram-se. As conferências tiveram a participação de Serôdio, Furtado e Associados (representados pelo primeiro), Paula Santos, Bak Gordon e Belém Lima, todos eles à altura da expectativa do público.
A sessão abriu em grande, com a apresentação do livro do estádio de Braga do arquitecto Souto Moura. Em grande porque o atraso com que começou, a obra e o arquitecto são tudo elementos de peso. Contudo, a audiência animou-se definitivamente com os agradecimentos do senhor arquitecto a um dos patrocinadores do livro, as tintas CIN. De facto, como ele próprio o constatou, é preciso agradecer a uma marca de tintas que patrocina um livro sobre um edifício em betão à vista...
O trabalho do senhor arquitecto Serôdio, cujo primeiro nome não recordo, foi definitivamente dos meus favoritos. As suas obras primam, a meu ver, pelo uso cuidado dos materiais e pela arquitectura algo orgânica e discreta quando o pode ser. Os exemplos que apresentou (em Óbidos, no Pinheiro Manso e ainda o hotel Douro 41) envolvem-se no terreno, são articulados e não agridem a paisagem. Com a excepção do hotel na Rua do Grijó, por razões óbvias, claro está. Terei ainda de mencionar a Subunidade 3 do Pólo III de Saúde da UC, em forma de serpentina, obtido, segundo o arquitecto, através da rotação de uma planta em U. Talvez seja apenas a minha imaginação, mas o edifício, bastante regular e compacto, se bem que não completamente rígido devido à sua lógica fluida de organização interna, adquiriu um aspecto ligeiramente mórbido quando se revelou que se tratava das instalações dedicadas ao estudo de medicina legal. E se mais não digo é porque, como poderá confirmar quem me conhece, tenho certas dificuldades em me manter acordada após o almoço e a minha cabeça não deu para mais apontamentos (é o que dá não gostar de café - se bem que não adormeci, milagre; ou não, já passava um bocado da hora de almoço devido a *ahem* atrasos).

Já Paula Santos se viu com uma apresentação mais atribulada. Sem querer denegrir a imagem dos senhores arquitectos, é função dos Amigos do Aristo contar estas coisas, e por isso cá vai. Primeiro, perdeu a apresentação de powerpoint, mas com a ajuda de dois técnicos simpáticos lá se recuperou do susto ("acho que desapareceu..."); depois, sérias dificuldades em fazer avançar os slides por uma ordem lógica (estas apresentações de powerpoint são umas sacaninhas de modernices), e por fim, foge aquele ponteiro luminoso vermelho, irritante mas necessário para explicar o projecto ao público exigente. Tudo isto alternadamente. Arquitecta sofre.
Porém, a senhora arquitecta não se deixou vencer por estas ninharias e lá fez uma [extensa] apresentação (correcção, *muito extensa*), que incluiu um pavilhão/parque infantil presentemente situado nos jardins do Palácio de Cristal (exemplo das obras de arquitectura efémera que lhe ocuparam os primeiros anos de carreira), o centro interpretativo da estação arqueológica de Miróbriga, em Santiago do Cacém, um edifício de habitação e escritórios para a empresa Sátira, um conjunto edificado em Viana do Castelo, junto à rua João Alves Cerqueira, um edifício de recepção de visitantes da Citânia de Santa Luzia, a residência de estudantes do tal
Pólo III de Saúde da UC, provavelmente perto da tal Subunidade III. De destacar a primeira obra, realizada segundo as dimensões das crianças que a frequentam (os planos de vidro, a partir do pavimento, não teriam mais de 95 cm de altura, por exemplo), e as preocupações de inserção na envolvente dos edifícios em Viana do Castelo, que disponibilizaram um espaço público onde nenhum existia e contra a vontade das autoridades envolvidas (segundo se conta).
Seguiu-se um resumo de algumas candidaturas a concurso do atelier da senhora arquitecta Paula Santos (e se ainda estou a falar dela, é porque definitivamente se tratou de uma apresentação *longa*, caso ainda não o tenha mencionado), em que viríamos a descobrir que já participou em 39 concursos; se os ganhou já é outra história. Isto porque, segundo a senhora arquitecta Paula Santos, os seus associados (ou estagiários, ou quem quer que trabalhe no seu atelier) são bastante entusiastas por concursos: "tenho uma equipa de colaboradores que adora concursos, adoram fazer noitadas e fins-de-semana...", e como toda a gente sabe, o entusiasmo pega-se. E pegou-se à senhora arquitecta Paula Santos, e o resto é história. Vamos ficar a torcer para que consiga ganhá-los de vez em quando...
Uma nota final, ainda relativamente à excelentíssima senhora arquitecta: ou a arquitecta continua a sofrer e apanha os piores clientes do planeta, ou estes são uns verdadeiros mártires. Segundo Paula Santos, "É dificílimo fazer casas. Cheguei à conclusão que o ideal ou é ter clientes na América, ou fazer casas para mim própria." E se bem o disse, melhor o fez, projectando (após vários projectos arruinados por graves desentendimentos com os clientes) a sua morada em Óbidos. Lembram-se, caros colegas, daquela empena diabólica no Largo do Viriato, que a maior parte de nós resolvia com um volume vertical que, depois, permitia estabelecer a ligação entre o pré-existente e o nosso projecto? Lembram-se de como fizemos os impossíveis para não criar grandes aberturas ao nível da rua, por razões óbvias (pelo menos na minha turma)? Agora vão lá a Óbidos dar uma espreitadela... (Pista: cozinha com janela à holandesa.)

Bak Gordon sobressaltou. Literalmente. Depois da arquitectura crua e, detesto dizê-lo, por vezes algo apagada de Paula Santos, o senhor arquitecto procede a impor a sua presença e a sua... voz[eirão]. A confusão dos pormenores informáticos alastra-se por momentos a este senhor ("não sei se está previsto algum apoio técnico para ligar a apresentação..."), mas é rapidamente esquecida face à exuberante imagem de abertura que é projectada, uma vista aérea de um aldeamento turístico qualquer no Algarve. Uma das piscinas chocou particularmente pela sua forma de coração. E está claro, depois disto foi um alívio ver as obras do senhor arquitecto, uma série de casas no Algarve, provavelmente atingindo assim o efeito pretendido. Arquitectura a murro no meio do deserto? Got it. Arquitectura regular, excepto quando não o é, arquitectura fechada em si mesmo, excepto quando se abre completamente para a paisagem. Ao fim e ao cabo, uma apresentação extremamente interessante, excepto quando não o foi (eu consigo distrair-me muito facilmente, portanto este relato não é exemplo para ninguém), em que a piscina da primeira habitação me ficará para sempre na memória. Não, não era em forma de coração. Mas também não conseguiria mergulhar nela (pelo menos não da mesma forma que o tipo da foto).
Breve e rápida menção às restantes obras deste senhor, que estou a ficar farta deste post: Bom Sucesso, Design Resort, Leisure, Golf and SPA (já ouviram falar? pistas: arquitectos, variados, MGD, Portugal dos Pequeninos - neste caso Grandes, mas fica a analogia - da Arquitectura), todo aquele percurso de azul à Yves Klein dentro da trienal de arquitectura de Lisboa no Pavilhão de Portugal, e ainda qualquer coisa de recuperação de uma escola secundária algures. Tudo somado, mereceu o aplauso.

Belém Lima. Belém Lima, Toni para os amigos pelos vistos, entra afirmando o catolicismo das suas obras, o que quer que isto queira dizer. Declara, convicto, que será uma apresentação breve (pelos vistos os excelentíssimos membros do público não eram os únicos a começar a ficar com fome), e que mostrará apenas três obras. Como se viria a constatar, as mesmas eram relativamente complexas e demoraram ainda um bocado a serem explicadas. Mas, não obstante, o tipo é um génio. A sério. Claro que deve ajudar o facto de ser o mais velho naquelas conferências, anos de experiência e tal, mas a verdade é que enchi uma folhita de apontamentos que provavelmente darão jeito em Projecto, e que eu não vou partilhar com ninguém. Ha!
Tudo começou com o Museu de Etnologia em Lisboa, que pretendia tornar visitável parte da colecção que não o era. O principal factor aqui é o desenho das vitrinas que acolheriam o espólio do museu: austeras, modernas e muito clínicas, criando um ambiente quase fantasmagórico que não acrescenta nem distrai dos objectos em exposição. Passar pelo meio destas vitrinas deve ser quase claustrofóbico, pensem em X Files ou nas catacumbas de Roma (quem lá esteve sabe do que eu falo), mas ainda assim deu vontade de ir visitar. Mais um aplauso.
Seguiu-se a Casa O, em Torgueda, que adapta a ideia de "díptico" (longa história) e que cria percursos interiores que nos obrigam a percorrer toda a habitação. Dos edifícios apresentados a partir das três da tarde, este provavelmente teve a honra de ocupar mais tempo de antena, mas como é impossível para mim fazer o mesmo sem a planta e um daqueles ponteiros luminosos que fogem, paro por aqui e salto já para a Biblioteca Municipal de Vila Real. O objectivo aqui foi criar uma biblioteca oposta à tradicional, pretendendo atrair pessoas que não gostam de ler ou até que nunca pegaram num livro. Embora não concorde com um dos ideais apresentados ("se alguém roubar um livro ainda bem, significa que ama os livros!"), e decerto os funcionários que lá trabalham serão da mesma opinião que eu, sou obrigada a mencionar a forma clara como o programa se desenvolve, os muitos jogos conceptuais e luminosos que preenchem este edifício e pretendem tornar o público mais receptivo.

É tarde. Os lençóis chamam-me, e amanhã, segundo parece, o terceiro ano vai aturar um grupo de professores a lutar sobre a soleira da porta de um edifício em acesso directo. Objectivo: poupar energias para resistir ao confronto... ou dormir durante ele.



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